Por vezes
andamos tão inebriados na viagem que a realidade passa-nos ao lado, como pano
de fundo. Quem nunca esteve no autocarro a olhar pela janela, a ouvir a sua
música preferida e a pensar em tudo menos no cenário que acabamos de observar?
Seja ele idílico ou degradante, simplesmente não é tão importante como aquele
pensamento que teima em agarrar-se ao cérebro.
Somos
os turistas da realidade, e por vezes levamos um abanão tão grande que todo o entorpecimento
cai por terra. Por uma vez sentimos todos os nervos do nosso corpo, todos os estímulos
da realidade, somos o mundo e fazemos parte dele. De repente criamos uma
opinião de algo que há 3 segundos atrás, para nós, nem tinha nome, era algo
banal, sem importância comparado com o grande sofismo em que estamos
concentrados.
Este
foi o caso de Amanda Todd, a rapariga de 15 anos que viu de tal forma a sua
imagem degradada, não só no cyberespaço mas também no mundo “real”, que andou a
viajar de cidade em cidade para ver findos os abusos que eram cometidos contra
ela. Porém, como todos sabemos, a internet é um país sem fronteiras. Para onde
quer que vamos, ela vai connosco. Nela existem pessoas desconhecidas e interessantes,
que nos fazem sentir bem, mesmo quando todo mundo está contra nós. Lá podemos
encontrar um ombro amigo que nos compreende e que está disposto a ajudar-nos.

Durante
um ano foi assim que Amanda se sentiu, até que lhe foi pedido que esta enviasse
uma foto dos seus seios, mais uma vez via Facebook. Como sabemos, depois de
enviada, a informação é gerida pelo destinatário da mesma. A partir daí os
pedidos daquele individuo foram mudando, de repente já não era um fiel amigo,
mas um carcereiro, que ordenava a sua vontade. Como esta não se dobrou aos
caprichos deste indivíduo, este enviou a imagem para todos os amigos da
adolescente, criou páginas na rede social Facebook.
A
sociedade, sim a sociedade, garantiu o resto, pois vejamos, o ser humano só se
lembrou desta adolescente, quando esta conseguiu libertar-se da prisão a que
chamamos realidade. Julgamentos á parte, até à data da sua morte, esta não foi
apoiada pela sociedade que agora chora a sua morte, mas perseguida e abusada
verbal e fisicamente na escola, na sua cidade. Amanda fugiu uma, duas vezes mas
os abusos recomeçavam assim que os seus colegas tinham acesso á sua história.
Como
Amanda Todd, existem milhares de adolescentes, crianças, adultos, em todo o
mundo a sofrer de abusos diários e continuados, que nós, da nossa pomposa
obtusidade chamamos de Bullying, e continuamos a permitir que isto continue e
continue. A nossa busca pela normalidade, pela coesão social, leva-nos a não
tolerar a diferença, castigar quem achamos que merece, seja por ele ser gordo,
ou por ter o nariz grande, ou por gostar de algo que nós simplesmente achamos
que não vale a pena. Bullying não é uma forma de ensino, nós não somos juízes,
a diferença não deve ser um crime, nem devíamos falar de tolerância, devíamos
falar de direito á diferença.
Quantos
mortos pela diferença precisamos mais? Quanta violência estamos dispostos a
aceitar até que estas situações desapareçam? Porque é que só procuramos um
culpado num cenário onde somos todos cúmplices?
Apesar
de ser mais fácil virar a cara para o lado, murmuramos á noite “ele ou ela
mereceu o que lhe aconteceu, afinal é para ajudar, para se tornar normal”,
tornamo-nos cúmplices neste jogo perverso de construções e rótulos, que nos
levam a etiquetar e a desqualificar o ser humano.
Nós
não somos peões, não estamos num jogo de xadrez, uma peça que cai no jogo seguinte
não volta ao tabuleiro. Sempre que ignoramos estas situações somos responsáveis
pela tortura de um ser humano durante toda a sua vida, pois abusos podem parar,
mas deixam marcas, feridas que nem os mais resistentes pontos podem coser.
Bullying
não acontece só nos estados Unidos, acontece todos os dias nas escolas dos
nossos sobrinhos, nossos irmãos, filhos, amigos. Não é um rito de passagem, o
abusador não tenta ajudar, mas sim a destruir. O bullying não é passageiro é um
crime, por favor não deixem mais adolescentes morrer por terem personalidade,
interesses ou características diferentes.
Luís Vasconcelos
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